terça-feira, 20 de agosto de 2013

Amamentar - o que deveria ser natural e as histórias que ficam no meio do caminho

Sempre repito e insisto: amamentar nunca foi uma opção aqui. Foi uma certeza. Desde o princípio, foi feito claro: não haveria chupetas nem mamadeiras. Não importava o que aconteceria. Porque meu instinto me dizia que esse era o único caminho certo.

E não, não foi fácil. Foi doloroso as vezes. Foi assustador, foi gritar TRUCO LADRÃO! na cara da vida.

E foi sublime como um milagre. Porque meus seios jorravam leite. Porque meu filho podia tirar de mim seu sustento. Porque minha gata amamentava, uma foca no Ártico amamentava e eu amamentava - e de repente eu era uma irmã delas.

Quando meu filho tinha poucos dias de vida, ele estava com a pele ressecada e usamos um hidratante para bebês nele. O hidratante era a base de leite de vaca.

Demoramos oito meses para concluir que foi isso que o sensibilizou para uma forte alergia a leite de vaca. Mas durante quase seis meses, não sabíamos o que era que estava devastando o corpo do meu filho de dentro pra fora. Não sabia o que era essa alergia. Só via a curva de ganho de peso que ia do amarelo para o vermelho enquanto meu pequeno chegava ao segundo grau de desnutrição.

O que salvou meu guerreiro zen de ter sequelas desse processo foi o fato de eu ser radical com a amamentação. Foi o fato de ele ser amamentado exclusivamente - como deve ser.

Mas o que eu mais ouvia das pessoas do nosso convívio era, sempre, que a culpa era minha. Que eu não tinha leite o bastante, que meu filho estava com fome, que meu leite era fraco, que minha teimosia ia matar meu filho, que eu devia dar leite em pó para ele porque ele rapidinho engordava. A pediatra que gritou comigo deu até a marca da fórmula que exigia que eu desse para ele, sem ter feito NENHUM exame ou observação exceto que ele estava abaixo do peso devido.

Eu nunca vou esquecer de como a pediatra do posto de saúde gritou comigo. Ela tinha raiva de mim. Raiva porque eu amamentava exclusivamente, raiva porque ele tinha nascido em um parto não-hospitalar. Ela gritava. Eu estava ali, com 40 graus de febre e fragilizada ao extremo, com um bebê de um mês de idade, e ela gritava comigo, me apontava o dedo, me chamava de mãezinha e dizia que meu filho estava morrendo de fome por culpa minha.

Eu sai de lá e chorei. Chorei de raiva, uma raiva visceral e imensa de quem sabia que tinha sofrido uma violência e não tinha como se defender.

Quando me questionam sobre porque eu sou tão radical como defensora da amamentação, eu tenho uma resposta simples e verdadeira: a amamentação salvou a vida do meu filho.

Mas também tem uma resposta tão verdadeira quanto e nem um pouco simples.

Que começa nos gritos dessa pediatra, passa pela minha tia e a minha avó tentando me forçar a consumir leite porque não acreditavam na alergia (sim, do tipo preparar toda a comida de uma festa com derivados de leite e te forçar a ficar o dia inteiro em jejum porque ninguém da família teve a sensibilidade de te dar uma carona de volta pra casa e não havia como voltar a pé), por todas as pessoas que falaram horrores para mim e de mim, dizendo que a culpa era minha, que meu leite não era bom, que eu ia matar meu filho;

pelas pediatras que se recusaram a assinar o pedido de um mês de licença saúde quando minha licença maternidade acabou, mesmo eu tendo um laudo dizendo que meu filho precisava ser amamentado em livre demanda, e que me fizeram voltar uma dezena de vezes ao maldito posto de saúde, onde enfermeiras gritaram comigo porque eu amamentava em público, gritavam comigo porque meu filho estava no sling, e junto com as pediatras me ridicularizavam e chamavam de vagabunda e preguiçosa que não queria voltar a trabalhar;

e termina em tudo que eu ouvi e em todos os olhares de horror porque um menino de mais de três anos ainda mamava.


Eu perdi a conta do número de vezes que abracei meu bebê e chorei, enquanto pessoas que estavam em situação de poder, pessoas com uma autoridade presumida, como médicas (e eu reforço médicAs, porque é mais triste que o machismo venha de outras mulheres), me humilharam, agrediram e maltrataram.

Em quantas vezes as pessoas se sentiam a vontade para invadir nossa privacidade e dar palpites na nossa vida com ideias pré concebidas e preconceituosas.

E nenhuma mulher (e nenhum homem trans* que queira amamentar) deve passar pelas coisas que passei. Ninguém deve passar por aquilo.

E é por isso que ainda precisamos do feminismo. Que ainda precisamos ser ativistas da amamentação, da humanização, do attachment parenting, do amor e do afeto.

Preciso gritar na cara dos opressores sobre como amamentação é bom e importante e certo, para que ninguém se sinta tão só e tão assustada como eu me senti quando aquela pediatra gritou comigo.

Preciso insistir em contar nossa história, de como a amamentação salvou o meu filho, para que nunca mais uma criança sofra sequelas da irresponsabilidade de médicos que forçam mulheres a acreditarem que precisam de fórmulas infantis.

Preciso dar toda ajuda que eu puder para cada mulher em pânico que cruza meu caminho, para cada pessoa que precisa de um conforto e as vezes, só é preciso uma palavra amiga, uma demonstração de apoio, um cinema ou uns esmaltes coloridos, para salvar uma amamentação.



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Quando eu tinha dois anos e meio, o médico da minha mãe descobriu que ela ainda me amamentava e forçou que ela parasse abruptamente com aquilo. Minha mãe, com vinte anos de idade, quase trinta anos atrás, obedeceu. Eu chorava de um lado da casa, ela do outro. Desnecessário dizer o quanto saimos as duas machucadas e traumatizadas disso.

Em algum momento entre três anos e oito meses e quatro anos, meu filho parou de mamar por conta própria, em um processo natural que foi tão gradual que não sei quando foi exatamente. Sem traumas, sem choro,respeitando nosso tempo.

E esse desmame natural curou aquele outro, de quase trinta anos atrás. Porque quando a gente evita que uma ferida se repita, a gente cura uma linhagem.

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Este post é parte da 2ª Blogagem coletiva: Por que sou ativista da amamentação?  

E você encontra aqui a lista cheia de gente que escreveu muito melhor que eu sobre o assunto.